segunda-feira, 6 de maio de 2013

VAMOS CONHECER A NOSSA HISTÓRIA II




Clarimundo Rocha,por Alcibiades Playsant:

Disse o laureado romancista brasileiro, o Dr. Joaquim Manoel de Macedo: - “Os túmulos representam o passado, formam por assim dizer, um mundo onde reina sempre à noite, em cujo firmamento, porém são estrelas que rasgam o véu das trevas, os nomes dos homens beneméritos que ali jazem debaixo das lousas. Os raios dessas estrelas, os brilhantismos desses nomes iluminam o caminho do futuro com a lembrança das ações e dos feitos excelentes ou gloriosos dos finados ilustres”. É o passado que assim se torna mestre do futuro. Recordamos, portanto, neste momento o nome humilde de Clarimundo Rocha e depomos sobre a sua rasa sepultura, saudade. Sim, saudade pelo amor que teve as letras, paguemos essa dívida sagrada de gratidão, para exemplo dos vindouros. Honrar a sua memória é um dever. Clarimundo Rocha foi um mártir da fatalidade, o abismo da sepultura impediu-lhe de cultivar a sua fina intelectualidade, desapareceu restituindo ao berço amado a primeira respiração que recebera no mesmo berço. Nasceu Clarimundo Rocha em Morretes no ano de 1851. Era filho de João Dias da Rocha e da ex-escrava Maria de Jesus que, paupérrima e simples, conseguiu, entretanto fazê-lo educar nas escolas de primeiras letras de Morretes, e mais tarde com sacrifícios inauditos, vivendo de fazer pães para custear o filho, o fez seguir para Curitiba, a fim de receber a educação secundária do velho e popular professor Alexandre Rouxinol, como aluno interno. O amor maternal é uma fonte inesgotável, o amor de mãe é milagroso, amor que não mede o impossível e que quando descrê de tudo, tudo espera do incognoscível. Essa simples e humilde mulher de cor foi uma digna mãe do nosso finado. No colégio do velho Rouxinol, Clarimundo Rocha destacou-se dos seus companheiros, na ordem intelectual e assim ia conseguindo adoçar os dias trabalhosos de sua velha genitora que, só no mundo, lhe dava o pão do espírito. Clarimundo Rocha conquistou admiração dos companheiros e do professor, não só pela sua formosa inteligência, como também pelo seu comportamento exemplar, o que tudo determinou ser elevada a classe de adjunto. No colégio do popular professor Alexandre Rouxinol deu claros e palpáveis indícios da não vulgar inteligência e como arrebatado pela necessidade de saber que diariamente se desenvolvia com mais força e o impelia para o estudo, obteve matricula no Instituto Paranaense, instalado no ano de 1876. Foi nessa época que se iniciou no domínio das letras, fase primordial na sua vida laureada pelo estudo e que mais tarde veio constituir o grupo de poetas e escritores na primeira geração moderna paranaense tão destacada hoje. Clarimundo Rocha era uma alma vibrante e de um temperamento impulsivo, todavia sabendo aliar com a maior habilidade o seu espírito boêmio com as necessidades da vida escolar, tão tumultuada e ao mesmo tempo tão ríspida e exigente naquela época de verdadeira formação de civismo e intelectualismo paranaense. Da iniciativa daquele grupo, nasceram os dois primeiros jornais de estudantes: “Incentivo” e “Reverbero”, aos quais Clarimundo Rocha, que era um dos seus redatores, emprestou com muito brilho o seu talento e a sua energia. Traçando os artigos de apresentação e enriquecimento as suas colunas com bons artigos literários, alguns dos quais ungidos de um começo de filosofia moderna, como um atestado de seu espírito fecundo, em pleno cultivo de ideais, hoje vencedores. Durante quatro anos Clarimundo conviveu com esse grupo, destacando-se por seus estudos fora de comum e pela lhaneza e camaradagem, assim conquistando lugar de relevo e por assim dizer uma popularidade incontestável entre os seus companheiros. Era um querido da época, conhecia a sua linhagem modestíssima e reconhecia a sua pobreza, vivia cercado de afetos. A vida de Clarimundo estava no domínio de todos, sabia-se que a sua genitora gastava com sacrifício para educá-lo, havia um que de respeito profundo pelo acontecimento e uma aureola de carinhos cercava o infortunado colega, tão pobrezinho, mais tão sedento de luz. Quando em 1878 o então Imperador do Brasil, Dom Pedro II veio ao Paraná, entre outros estabelecimentos públicos, visitou o Instituto. Na presença de Sua Majestade, arguido pelos notáveis lentes de saudosa memória: Drs. Pereira Lagos, Justiniano de Mello, Tertuliano de Freitas, Euclides Moura, Otto Fienkensiepper, Franco Valle e Pires de Albuquerque, Clarimundo Rocha se revelou com tal destaque nos exames que Sua Majestade escolheu-o, e mais o aluno Domingos Nascimento, para seguirem para o Rio de Janeiro a fim de estudar por conta dele. Domingos Nascimento, já então republicano, completando o curso preparatório no Paraná, recusou o auxílio imperial e preferiu matricular-se na escola militar. Clarimundo Rocha a conselhos de amigos aceitou a pensão oferecida pelo bondoso Imperador e seguiu em 1881 a matricular-se na Escola de Medicina do Rio de Janeiro, indo hospedar-se no Mosteiro de São Bento. De nada valeram ao estudioso e paupérrimo patrício os auxílios prestados por Dom Pedro II e a acolhida espontânea dos frades do Mosteiro. Clarimundo Rocha, quando partiu para o Rio de Janeiro já apresentava indícios da terrível tuberculose que o havia de prostrar para sempre, dentro em pouco. Assim é que mal terminou o primeiro ano do curso médico, teve que suspendeu os estudos, regressando a sua terra, a fim de procurar alivio. Parece que houve um pressentimento de morte, deixando o Rio e procurando a terra que lhe serviu de berço para descer a sepultura. Chegando a Curitiba, hospedou-se na residência do seu velho e caritativo amigo professor Rouxinol. Mas observando que a sua enfermidade poderia um dia afetar os filhos do seu saudoso educacionista, embora este houvesse tentado dissuadi-lo de qualquer suspeição, Clarimundo uma noite ausentou-se, deixando uma carta de agradecimento e justificativa de seu proceder e quando vieram ter notícias do seu paradeiro já se achava ele em Campo Largo. E daí hemoptise sobre hemoptise, foi ter a São Luiz do Purunã, Palmeira, Ponta Grossa, Castro e cada vez mais afetado e enfraquecido foi descansar os seus restos de esqueleto numa cova anônima de Jaguariaíva. Ali entre os desconhecidos, segregado da mãe amada, dessa velhinha de cor, tão pobrezinha e quem sabe se não regou a ultima massa de pão com uma gota de pranto. Clarimundo Rocha restituiu a terra querida, a primeira respiração que recebera no mesmo berço. Ah! Se a morte não se apresenta a riscá-lo do número dos vivos, se Clarimundo tivesse tempo de amadurecer o seu cérebro, colhendo com inspiração e profundeza de pensamento o fruto da sua inteligência que gloria não derramaria, talvez, sobre o seu berço natal!

(in Revista do Centro de Letras do Paraná, num 1, 19 de dezembro de 1913, Ano I)



VAMOS CONHECER A NOSSA HISTÓRIA II 
Saudações
Éric Hunzicker

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