Clarimundo Rocha,por Alcibiades Playsant:
Disse o laureado romancista brasileiro, o Dr. Joaquim Manoel de
Macedo: - “Os túmulos representam o passado, formam por assim dizer, um mundo
onde reina sempre à noite, em cujo firmamento, porém são estrelas que rasgam o
véu das trevas, os nomes dos homens beneméritos que ali jazem debaixo das
lousas. Os raios dessas estrelas, os brilhantismos desses nomes iluminam o
caminho do futuro com a lembrança das ações e dos feitos excelentes ou
gloriosos dos finados ilustres”. É o passado que assim se torna mestre do
futuro. Recordamos, portanto, neste momento o nome humilde de Clarimundo Rocha
e depomos sobre a sua rasa sepultura, saudade. Sim, saudade pelo amor que teve
as letras, paguemos essa dívida sagrada de gratidão, para exemplo dos
vindouros. Honrar a sua memória é um dever. Clarimundo Rocha foi um mártir da
fatalidade, o abismo da sepultura impediu-lhe de cultivar a sua fina intelectualidade,
desapareceu restituindo ao berço amado a primeira respiração que recebera no
mesmo berço. Nasceu Clarimundo Rocha em Morretes no ano de 1851. Era filho de
João Dias da Rocha e da ex-escrava Maria de Jesus que, paupérrima e simples,
conseguiu, entretanto fazê-lo educar nas escolas de primeiras letras de
Morretes, e mais tarde com sacrifícios inauditos, vivendo de fazer pães para
custear o filho, o fez seguir para Curitiba, a fim de receber a educação
secundária do velho e popular professor Alexandre Rouxinol, como aluno interno.
O amor maternal é uma fonte inesgotável, o amor de mãe é milagroso, amor que
não mede o impossível e que quando descrê de tudo, tudo espera do
incognoscível. Essa simples e humilde mulher de cor foi uma digna mãe do nosso
finado. No colégio do velho Rouxinol, Clarimundo Rocha destacou-se dos seus
companheiros, na ordem intelectual e assim ia conseguindo adoçar os dias
trabalhosos de sua velha genitora que, só no mundo, lhe dava o pão do espírito.
Clarimundo Rocha conquistou admiração dos companheiros e do professor, não só
pela sua formosa inteligência, como também pelo seu comportamento exemplar, o
que tudo determinou ser elevada a classe de adjunto. No colégio do popular
professor Alexandre Rouxinol deu claros e palpáveis indícios da não vulgar
inteligência e como arrebatado pela necessidade de saber que diariamente se
desenvolvia com mais força e o impelia para o estudo, obteve matricula no
Instituto Paranaense, instalado no ano de 1876. Foi nessa época que se iniciou
no domínio das letras, fase primordial na sua vida laureada pelo estudo e que
mais tarde veio constituir o grupo de poetas e escritores na primeira geração
moderna paranaense tão destacada hoje. Clarimundo Rocha era uma alma vibrante e
de um temperamento impulsivo, todavia sabendo aliar com a maior habilidade o
seu espírito boêmio com as necessidades da vida escolar, tão tumultuada e ao
mesmo tempo tão ríspida e exigente naquela época de verdadeira formação de
civismo e intelectualismo paranaense. Da iniciativa daquele grupo, nasceram os
dois primeiros jornais de estudantes: “Incentivo” e “Reverbero”, aos quais
Clarimundo Rocha, que era um dos seus redatores, emprestou com muito brilho o
seu talento e a sua energia. Traçando os artigos de apresentação e enriquecimento
as suas colunas com bons artigos literários, alguns dos quais ungidos de um
começo de filosofia moderna, como um atestado de seu espírito fecundo, em pleno
cultivo de ideais, hoje vencedores. Durante quatro anos Clarimundo conviveu com
esse grupo, destacando-se por seus estudos fora de comum e pela lhaneza e
camaradagem, assim conquistando lugar de relevo e por assim dizer uma
popularidade incontestável entre os seus companheiros. Era um querido da época,
conhecia a sua linhagem modestíssima e reconhecia a sua pobreza, vivia cercado
de afetos. A vida de Clarimundo estava no domínio de todos, sabia-se que a sua
genitora gastava com sacrifício para educá-lo, havia um que de respeito
profundo pelo acontecimento e uma aureola de carinhos cercava o infortunado
colega, tão pobrezinho, mais tão sedento de luz. Quando em 1878 o então
Imperador do Brasil, Dom Pedro II veio ao Paraná, entre outros estabelecimentos
públicos, visitou o Instituto. Na presença de Sua Majestade, arguido pelos
notáveis lentes de saudosa memória: Drs. Pereira Lagos, Justiniano de Mello,
Tertuliano de Freitas, Euclides Moura, Otto Fienkensiepper, Franco Valle e
Pires de Albuquerque, Clarimundo Rocha se revelou com tal destaque nos exames
que Sua Majestade escolheu-o, e mais o aluno Domingos Nascimento, para seguirem
para o Rio de Janeiro a fim de estudar por conta dele. Domingos Nascimento, já
então republicano, completando o curso preparatório no Paraná, recusou o
auxílio imperial e preferiu matricular-se na escola militar. Clarimundo Rocha a
conselhos de amigos aceitou a pensão oferecida pelo bondoso Imperador e seguiu
em 1881 a
matricular-se na Escola de Medicina do Rio de Janeiro, indo hospedar-se no
Mosteiro de São Bento. De nada valeram ao estudioso e paupérrimo patrício os
auxílios prestados por Dom Pedro II e a acolhida espontânea dos frades do
Mosteiro. Clarimundo Rocha, quando partiu para o Rio de Janeiro já apresentava
indícios da terrível tuberculose que o havia de prostrar para sempre, dentro em pouco. Assim é que
mal terminou o primeiro ano do curso médico, teve que suspendeu os estudos,
regressando a sua terra, a fim de procurar alivio. Parece que houve um
pressentimento de morte, deixando o Rio e procurando a terra que lhe serviu de
berço para descer a sepultura. Chegando a Curitiba, hospedou-se na residência
do seu velho e caritativo amigo professor Rouxinol. Mas observando que a sua
enfermidade poderia um dia afetar os filhos do seu saudoso educacionista,
embora este houvesse tentado dissuadi-lo de qualquer suspeição, Clarimundo uma
noite ausentou-se, deixando uma carta de agradecimento e justificativa de seu
proceder e quando vieram ter notícias do seu paradeiro já se achava ele em
Campo Largo. E daí hemoptise sobre hemoptise, foi ter a São Luiz do Purunã,
Palmeira, Ponta Grossa, Castro e cada vez mais afetado e enfraquecido foi
descansar os seus restos de esqueleto numa cova anônima de Jaguariaíva. Ali entre
os desconhecidos, segregado da mãe amada, dessa velhinha de cor, tão pobrezinha
e quem sabe se não regou a ultima massa de pão com uma gota de pranto.
Clarimundo Rocha restituiu a terra querida, a primeira respiração que recebera
no mesmo berço. Ah! Se a morte não se apresenta a riscá-lo do número dos vivos,
se Clarimundo tivesse tempo de amadurecer o seu cérebro, colhendo com inspiração
e profundeza de pensamento o fruto da sua inteligência que gloria não
derramaria, talvez, sobre o seu berço natal!
(in Revista do Centro de Letras
do Paraná, num 1, 19 de dezembro de 1913, Ano I)
VAMOS CONHECER A NOSSA HISTÓRIA II
Saudações
Éric Hunzicker
Saudações
Éric Hunzicker
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